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Geografia: População do Japão envelhece a uma “velocidade estonteante”, mas a necessidade de dar sentido aos anos ultrapassa fronteiras

População do Japão envelhece a uma “velocidade estonteante”, mas a necessidade de dar sentido aos anos ultrapassa fronteiras

Com a esperança média de vida a aumentar e os nascimentos e casamentos a diminuir, a população japonesa tem vindo a reduzir-se e a envelhecer, tendência que se manterá. A par surge a solidão dos mais velhos, muitas vezes marcada pela falta de um ikigai – uma razão de viver. O retrato de um problema não só demográfico, mas sobretudo social, que não conhece fronteiras.

Michi Kakutani tem 78 anos e aderiu a um programa, promovido pelo Estado, de eutanásia voluntária para pessoas com mais de 75 anos. Esta é a história da protagonista do filme japonês “Plan 75”, lançado no ano passado e em estreia no Reino Unido este mês – sem data prevista para Portugal. Trata-se de ficção mas, segundo a realizadora, a solução está “longe de ser impossível” num país que é um dos que está a envelhecer mais rapidamente a nível global.

Com cerca de 126 milhões de habitantes, 30% da população do Japão tem 65 ou mais anos – um valor apenas ultrapassado pelo Mónaco, com 36%, segundo dados do Banco Mundial. A esperança média de vida atinge os 84 anos, um número que também coloca o país nos lugares cimeiros. Enquanto o tempo de vida se prolonga, a taxa de natalidade tem vindo a diminuir, situando-se em 1,3 filhos por mulher.

A conjugação destes fatores é “tremenda” e justifica como o índice de envelhecimento “cresceu esmagadoramente”, explica ao Expresso o presidente da Associação Portuguesa de Demografia (APD), Paulo Machado. “O Japão está a perder população mas, acima de tudo, é a mudança da estrutura etária que é brutal. O país continuará a envelhecer a uma velocidade estonteante, pelo menos até 2050, com quatro vezes e meia mais idosos do que jovens”, prevê o especialista.

Aspetos culturais e de estilo de vida estão na base desta evolução. A alimentação saudável, a prática de atividade física, uma forma de estar tranquila e até fatores genéticos são apontados como relevantes para a longevidade, não só dos japoneses, mas dos asiáticos em geral. A valorização e respeito pelos mais velhos é uma característica que “continua muito forte” no Japão, segundo Paulo Machado. Há até um feriado, desde os anos 1960, para o assinalar – a celebração ocorre na terceira segunda-feira de setembro.

Mas há outros valores relevantes, como a importância atribuída à família e ao casamento. “A taxa de nascimentos fora do casamento, que na Europa é enorme – em Portugal, por exemplo –, no Japão é muito baixa”, explica o demógrafo. Tal significa que os filhos apenas são considerados “legítimos” se nascidos no seio de um casamento – mas dar o nó é algo que tem vindo a diminuir ao longo dos últimos anos.

Uma percentagem recorde de homens (17,3%) e mulheres (14,6%) japoneses, com idades entre os 18 e os 34 anos, indicaram que não tencionam casar-se, revela um estudo governamental divulgado em setembro de 2022, relativamente a um inquérito realizado no ano anterior. “O entendimento de muitos jovens japoneses de que o casamento diminui a sua qualidade de vida ou que é difícil encontrar um parceiro à altura leva-os a retardar e, no limite, a nunca consumar o casamento”, justifica Paulo Machado.

TENTATIVAS DE MUDANÇA
Para o primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, o envelhecimento da população e a baixa taxa de natalidade representam um risco urgente, alertou em janeiro. “O Japão está à beira de saber se pode continuar a funcionar como sociedade. Concentrar a atenção nas políticas relativas às crianças é uma questão que não pode esperar e não pode ser adiada”, afirmou. Uma nova agência foi criada, já em abril, para responder ao desafio.

“Sem capacidade de renovação geracional”, existe uma “preocupação muito grande, mais do que têm os europeus”, mas “o resultado é que não é o desejado”, resume o presidente da APD. No entanto, não é só o Japão a não conseguir alterar o curso deste caminho demográfico. “Aquilo que se demonstra, à escala mundial, é que onde as políticas surtiram algum efeito foi em países com regimes totalitários. A democracia convive mal com a demografia, do ponto de vista da transformação das condições através das políticas demográficas.”

Ainda assim, há uma certeza: a relação entre trabalho e família é determinante, através de horários flexíveis e da possibilidade de acompanhamento do crescimento dos filhos, por exemplo. “As alterações em termos da organização do trabalho são decisivas para facilitar ou, pelo contrário, dificultar a procriação. As medidas orientadas para a conciliação entre família e trabalho são as mais impactantes”, salienta Paulo Machado.

SENTIDO E PROPÓSITO
Para lá de um problema demográfico, encontra-se uma questão social: o envelhecimento que, muitas vezes, conduz ao isolamento e solidão – independentemente das coordenadas geográficas. “Fiz este filme especificamente para evitar que um programa como este se torne realidade”, esclarece Chie Hayakawa, em entrevista ao “The Guardian” na semana passada. A realizadora de “Plan 75” fala na importância de existir uma “razão para viver”.

Encontrar um sentido é “extremamente importante” na fase mais avançada de vida, classifica a gerontóloga Lia Araújo. Enquanto durante a juventude e na vida ativa não é necessário “um grande esforço para encontrar um sentido de utilidade e de propósito”, uma vez que se trata de algo “muito normativo” – como, por exemplo, frequentar a escola ou, depois, encontrar emprego –, tal “deixa de ser tão direto” a partir da reforma.

“É preciso que cada pessoa encontre um sentido relacionado com o seu percurso de vida, os seus interesses pessoais e também com aquilo que a sociedade oferece”, afirma a investigadora do CINTESIS, onde integra o grupo AgeingC, focado no envelhecimento. Para os japoneses, trata-se do ikigai, que se pode traduzir no motivo que nos faz acordar diariamente.

“O chamado projeto de vida não faz sentido só para um jovem, faz sentido também para uma pessoa mais velha. A pessoa mais velha cumpriu muitos objetivos, mas ainda deve acreditar que tem outros para cumprir. E quando ela perde esse foco e essa crença, perde sentido e é isso que, muitas das vezes, resulta em problemas sérios de sintomatologia depressiva e desejo de morrer”, como retratado no filme, enquadra Lia Araújo.

A ausência de um propósito coexiste, em muitos casos, com a solidão. “Infelizmente, esta é a realidade de muitas pessoas mais velhas em Portugal. Perdem companhia e objetivos, sentem que estão a dar trabalho e algumas acabam mesmo por desejar morrer. Isso é culpa de toda a sociedade”, declara a também professora da Escola Superior de Educação de Viseu. Paulo Machado acrescenta que “a revolta das pessoas é justamente porque não se consideram inúteis e, no entanto, a prática social acaba por permitir-lhes essa leitura, mas elas não são inúteis”.

Dados do Serviço Nacional de Saúde indicam que o sentimento de solidão aumenta com a idade: 9,9% entre os 50 e os 64 anos e 26,8% com 85 anos ou mais. “O que é terrível é verificarmos que, no dia a dia, para as coisas mais básicas, boa parte das pessoas mais velhas não podem contar com o apoio das pessoas mais novas. Temos um conjunto de pessoas em número crescente que não têm a capacidade de beneficiar desse jogo de interação intergeracional, que é decisivo para a sua qualidade de vida”, realça o demógrafo. “Isto é um quebranto em toda a linha. Não é só do ponto de vista demográfico, é o quebranto social, que afeta o mais estruturante da nossa vida coletiva.”

Fonte: Expresso, consultado a 8 de julho de 2023

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