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Os Campos Masseiras: o vinho que vem da praia (4/4)

Quando os campos masseira faziam parte do currículo escolar lembro-me de ter ficado maravilhada com o facto de este tipo de agricultura única no mundo ser originária daqui, da Póvoa de Varzim (das freguesias Estela, Navais e Aguçadora) e do concelho vizinho, Esposende (Apúlia e Fão). Não tenho memória do que se disse sobre as vinhas, que eram plantadas para fixar as areias nos valos, nem fazia ideia se saía dali vinho que valesse a pena. Até ter lido sobre o projecto de Ricardo Garrido, em parceria com o reconhecido enólogo Márcio Lopes. Logo ali ficou decidido que queríamos o Tubarão na vinharia.

Ele, o Tubarão, entrou na vinharia com o Ricardo Garrido neste tempo de confinamento. Por isso, não pudemos ter as grandes conversas que, normalmente, giram à volta do vinho. Soubemos que o Ricardo, que vive nesta zona, comprou as uvas aos agricultores, pediu ao Márcio Lopes para ver o que conseguia fazer e perdeu tempos infinitos com burocracias.

Enquanto falava connosco, o Tubarão, um palhete feito no estilo Pet-Nat*, brilhava em cima da mesa, à medida que ia libertando gotas em tons salmão e fazia crescer o interesse em prová-lo. Mas, antes disso, vamos saber um pouco mais sobre as masseiras.

Foram os monges, quem mais?

Então, este tipo de agricultura foi inventado por monges beneditinos da abadia de Tibães, no século XVIII, na mesma altura em que alguns destes monges frequentavam as praias da Póvoa de Varzim como terapia (a associação das duas coisas é extrapolação nossa).

A técnica destes monges consistia em fazer uma cova larga e funda nas dunas, de forma rectangular, e nos cantos dessa cova, nos ‘’valos’’, cultivar vinha para proteger a área central dos ventos. Nesta área, apesar da proximidade do mar, existe água doce e utilizavam-se os rebaixamentos do terreno para os campos ficarem mais próximos do lençol freático. Desta forma, ficavam também mais protegidos dos ventos e as vinhas à volta ajudavam a criar um efeito de estufa que favorecia o desenvolvimento das culturas. A fertilização com sargaço, fazia o resto.

Como a areia transmite mal o calor, ficando retido à superfície, as vinhas não podiam tocar no solo (basta lembrarmo-nos do momento em pisamos a areia com os pés descalços no pico do Verão). Assim, implementou-se um sistema de torniquetes, que consiste em levantar as videiras com estacas a um metro e meio dos solos. Isto permitiu um aumento da produção, que levou a uma generalização deste tipo de agricultura a partir do início do século XX, quando até aqui só existiam 20 proprietários a trabalhar nestes terrenos.

Nos dias de hoje, com a opção pelas estufas, as masseiras estão em vias de extinção e o que Ricardo Garrido espera conseguir com este projecto é resgatar uma cultura única.

A primeira colheita (2019) resultou numa produção de 600 garrafas e uma delas estava a brilhar em cima da nossa mesa (lembram-se?).

O vinho foi despejado nos copos e provado à distância que as actuais circunstâncias obrigam e, mesmo sabendo que os Pet-Nat são vinhos diferentes, conseguiu não só surpreender-nos como maravilhar-nos.

*Os Pétillant-naturel, que significa espumante natural, são vinhos produzidos seguindo o método Ancestrale, que consiste em engarrafar o vinho na primeira fermentação, quando o açúcar ainda não se converteu em álcool. A fermentação continua dentro da garrafa, gerando o gás carbónico. Aqui não são adicionados sulfitos, já que o próprio dióxido de carbono produzido pela fermentação natural, vai actuar como um antioxidante.

Fonte: Tua Wine, consultado a 12 de fevereiro de 2023.

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